A Igreja Católica está hoje, mais do que nunca, consciente da sua vocação de artífice da paz. Por toda a
parte, com generosidade e humanidade, ela faz ouvir a sua voz sobre as questões
da solidariedade, do desenvolvimento e da justiça social.
Como bem sabemos, esta vocação está no
centro da mensagem universal de paz que percorre o Antigo e no Novo Testamento.
A Igreja, inspirada sobretudo pelo discurso de reconciliação dos Evangelhos,
tem refletido constantemente, ao longo da sua história, nas questões da paz e
da concórdia, sem nunca deixar de reexaminar as suas próprias doutrinas, como
por exemplo o conceito o de «guerra justa» que nasceu no contexto das violências da Idade Média.
Com a encíclica Pacem in Terris do papa João XXIII, publicada em Abril de 1963, a
Igreja Católica optou por dirigir-se «a todos os homens de boa vontade» e não apenas aos crentes, para que todos
se empenhassem na construção da paz, baseando-se nos princípios da verdade, da
justiça, do amor e da liberdade. Deste modo a sua mensagem tornou-se mais
universal e ainda hoje inspira o empenhamento social e político de muitos
leigos.
Ao anunciar Cristo, a Igreja «revela o homem a si próprio», porque, em Cristo, o mistério do homem é iluminado. Por
ser, instrumento de evangelização», o Pensamento Social Cristão (PSC) gera as motivações profundas para também
se ocupar dos «temas» particulares nomeadamente da família e da educação, dos deveres do Estado, da vida económica,
da cultura, do respeito pela vida.
Entre eles está também o tema da guerra e da paz, o que poderá levar a
pensar que se trata de um tema entre muitos e, por isso, não essencial. Creio
que a dúvida poderá ser superada se distinguirmos dois níveis de significado do
termo «paz». Um primeiro nível, mais elementar, de paz como ausência
de guerra (e, de facto, os dois termos estão associados, como se fossem um único
problema, o «da guerra e da paz»); e um segundo nível, de paz como vida plenamente humana
em Cristo. O PSC só secundária ou indiretamente se ocupa da paz de acordo com o
primeiro significado, mas ocupa-se primária e diretamente da paz de acordo com
o segundo. Não para evitar o primeiro, mas para o enfrentar sob a luz certa e
do ponto de vista específico da Igreja. Portanto, o PSC «proclama a verdade sobre Cristo, sobre si mesma e sobre o
homem» (Sollicitudo rei socialis, 41). Assim, ela anuncia a paz de Cristo — ou, melhor, anuncia Cristo, que é a paz. Por isso a paz não pode ser, de
todo, um tema especial. Ela coincide com o próprio Cristo, coração do anúncio da Igreja.
Ora isto tem uma consequência muito
importante: o PSC anuncia a paz mesmo quando não fala de paz. Mesmo quando nem
sequer usa esta palavra o PSC anuncia a paz «sempre».
À medida que o magistério
foi desenvolvendo a sua reflexão sobre a paz, o quadro foi-se alargando progressivamente e a
paz tornou-se cada vez mais uma exigência da comunidade mundial. Contudo,
simultaneamente, o tema foi também radicalmente aprofundado, de modo que a paz
se revela, definitivamente, como o próprio problema do homem, que não se
resolve fora da sua relação com Deus.
É a esta luz que surge, num momento e
contexto muito específico, a criação do Dia Mundial da
Paz, pelo papa Paulo VI, em 1967, 24 meses depois do encerramento do Concílio
Vaticano II, 9 meses depois da publicação da encíclica Populorum Progressio e 7 meses depois da sua peregrinação a Fátima.
Portela, 18 de Maio de 2017
Francisco Vaz
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